PANDEMIA? QUE PANDEMIA? (Elie Cheniaux)

 

27/03/20

No iniciozinho deste ano, eu estava jantando com um amigo, quando, da caixa de som do restaurante, ouvimos uma música. Para puxar assunto, perguntei quem estava cantando. Indignado, meu amigo respondeu: “Como assim você não sabe quem está cantando?!”. E, expressando admiração, completou: “É Fulana!”. De fato, eu não conhecia aquela voz horrorosa, muito menos a letra mais do que pueril ou a melodia paupérrima. Porém, nada disso falei, com medo de ferir os sentimentos do meu amigo e, principalmente, de levar um soco na cara, já que ele é bem maior do que eu. Em vez disso, indaguei humildemente: “De onde eu deveria conhecê-la?”. Sua resposta debochada foi: “Do mundo”.

“O que tenho eu a ver com o mundo?!”, pensei. Ele não sabia, mas, desde meados do ano passado, eu resolvera romper com o mundo. Inconformado com a situação do planeta, especialmente do nosso país, eu tinha decidido me alienar. Eu não aguentava mais ver diariamente as notícias sobre violência urbana, desigualdade social, aquecimento global, guerras e corrupção ou demagogia dos nossos governantes. Só desgraça! Como se isso não bastasse, eu estava chocado com o sucesso extraordinário no meio artístico de pessoas sem qualquer talento, como a tal Fulana.

Então, da noite para o dia, eu, que lia diariamente 117 jornais do mundo inteiro, parei por completo de acompanhar o noticiário. Deixei até de ver a previsão do tempo, com medo de me aborrecer. Agora, se o mundo acabar, só vou saber uma semana depois.

No dia a dia, se estão discutindo perto de mim algo sério, principalmente política, me afasto ou tapo os ouvidos, para não saber de coisa alguma. Podem me chamar de alienado, de ignorante, mas, desde que tomei a decisão de me proteger do mundo, passei a sofrer menos e a me sentir mais feliz - ou, pelo menos, menos infeliz.

Tudo corria relativamente bem até que, nas últimas semanas, o mundo resolveu se vingar e me punir pelo meu comportamento. Foi armado um gigantesco complô contra mim, e, de uma hora para a outra, todos, ao mesmo tempo, resolveram me rejeitar. Recentemente, telefonei para um amigo, para chamá-lo para ir comigo a um jogo do Mengão no Maracanã, e ele, do outro lado da linha, começou a rir. No dia seguinte, enviei uma mensagem para uma linda moça, convidando-a para uma boate, e a resposta dela foi: “Você está maluco?!”. Todos os meus pacientes cancelaram as consultas comigo, e a minha analista e a minha fisioterapeuta não querem mais me atender. Por onde ando, as pessoas se afastam de mim e se recusam a me abraçar ou me beijar. Sequer consigo um aperto de mão! E, para completar, os meus amigos passaram a usar máscaras na rua para que eu não consiga reconhecê-los.

‘Tá bom, admito que, no momento, as coisas não estão boas para mim. No entanto, estariam muito piores se eu tivesse voltado a ler as notícias.

 Elie Cheniaux

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